Pra que serve um cachorro?
(Delman Ferreira)
— Serve pra gente falar sozinho — filosofa Quintana.
— Pra que serve um cachorro?
Cachorros servem para nos conectar com os detalhes do mundo.
Meus filhos, naquela fase em que toda criança deseja um
bichinho de estimação, sonhavam ter um cachorrinho. Queriam porque queriam. Eu
já me imaginava dando comida, limpando cocô, banhos, vacinas. Ou seja, eles iam
amar o amiguinho até a vírgula. A parte chata sobraria para mim.
— Não, de jeito nenhum. Nem pensar.
Eu era um dos líderes de uma greve na CELESC. Concentração
na frente do prédio da administração, ali no Itacorubi. De repente, alguém
encontra um cãozinho jogado no lixo. Recém-nascido, nem se aguentava nas
pernas, devia ter um dia de vida.
Coração mole, esqueci as juras e as agruras. Levei para
casa. Alegria geral. Puxa-estica. Todos queriam pegar ao mesmo tempo. Cheguei a
temer pela integridade do cachorrinho. Suportaria tanto amor?
No primeiro momento, nos disseram ser um macho. O nome
escolhido foi Tatim — uma 'homenagem' ao presidente da CELESC, culpado pela
greve.
Logo descobrimos que era fêmea. Começou, então, a gincana da
escolha do nome. Cinco pré-adolescentes tentando concordar em alguma coisa?
Missão impossível.
A cachorrinha parecia ter consciência da própria sorte.
Resgatada de uma lata de lixo para uma vida cheia de amor e cuidados. Para
demonstrar o carinho pelos da casa, vivia se esfregando nos pés de quem
estivesse por perto. Bastava alguém sentar para comer, conversar, estudar ou
ver TV, lá vinha a bichinha se enroscar e pedir cafuné.
Depois de um tempo, aquilo começou a incomodar. Até então,
continuava a indefinição sobre o nome.
— Eita, pentelha! Essa cachorra não para de se esfregar na
gente! Uma hora dessas alguém vai pisar nela sem querer.
— Sai das minhas pernas, sua pentelha!
De exclamação em exclamação, o nome foi se firmando
naturalmente, sem alguém arbitrar. Pentelha.
Da nobre linhagem dos caramelos. Elegante. Delicada. Toda
num pretinho básico. Portava uma echarpe natural, bege, do pescoço até o meio
do peito, combinando com os olhos, também destacados por realces beges. Não
havia quem não se apaixonasse pela Pentelha.
Minha Mãe não se conformava com o nome. Só se referia como
“aquela cachorrinha”. Para evitar constrangimentos com a ala conservadora de
parentes e amigos, resolveu-se batizar a Pentelha com um nome social. Pentelha
Letícia de Alcântara Machado. Daí por diante, todos os cães e gatos da casa
passaram a pertencer ao ramo dos Alcântara Machado.
Ao longo dos anos, todos os dias quando voltávamos para
casa, Pentelha nos acarinhava com o olhar mais doce. Além disso, assumiu a
tarefa de zelar pela segurança. Ai de quem tentasse entrar no quintal sem ser
convidado.
Foram 19 anos de Pentelhices.
Um cachorro serve, também, pra gente olhar para trás.
Sei bem o que é isso. Na infância, adolescência, juventude, vida adulta, enfim quase a vida toda, sempre passei por várias emoções com esses amigos, como são os bons amigos, que são para a vida toda.
ResponderExcluirConheço bem a amizade de um pet e mais ainda do caramelo
ResponderExcluirOs animais são tudo de bom. Às vezes melhores que os humanos…
ResponderExcluirCresci numa casa numerosa com gatos e cachorros, depois de “grande” e mãe veio a vontade de ter um cão, porém, morando em apartamento. Que decisão sábia, ele me leva a todos os lugares, me faz andar devagar, refletir sobre como foi o dia, ele me faz admirar o ordinário. 🥰
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