Uma TV usada
Severino é um desses milhões de brasileiros e brasileiras esculpidos em terra esturricada … pelo sol inclemente … na chuva… no vento… no dia-a-dia desesperançoso.
Homens e mulheres de extrema economia de palavras, jamais deixando escapar qualquer vestígio de seus sentimentos. Severino conseguia ser espontâneo apenas com os animais.
A experiência daquele dia, porém, foi incontrolável e inesquecível.
Entrou em casa de surpresa com uma televisão usada, trocada com um primo da cidade por uns trabalhinhos. Quando ligou a TV e apareceram as primeiras imagens, viu nos olhos dos filhos e da mulher uma felicidade nunca estampada. Recebeu o apertado abraço de bracinhos tornados incontroláveis pela alegria. Severino não resistiu. Por seu rosto curtido rolaram indisfarçáveis lágrimas — não de fraqueza, mas de vitória; não de tristeza, mas de um orgulho tão intenso que mal cabia no peito.
Tempos atrás, pelo rádio ou de boca em boca, apareceram propagandas do governo. Iam botar luz de graça na casa dos pobres. Escaldados, marias e severinos não acreditaram nem um pingo. Dos céus e dos governos, não esperavam nada além das durezas da vida. De repente, apareceram uns operários e começaram a colocar postes e instalar ‘luz’ na casa das pessoas.
A lâmpada acesa não iluminou apenas a sala escura, abriu uma clareira nos peitos desencantados.
Agora, tava ali a TV ligada mostrando desenhos que o filho adorava ver na casa dos primos da cidade. Os meninos felizes, iluminados. O pequeno pendurado no pescoço, num abraço apertado como ele nunca mais lembrava de ter recebido. A mulher, toda faladeira, andando de um lado para outro sem saber o que fazer ou onde guardar tanta alegria – naquele dia ela certamente ia se fazer bonita e cheirosa.
Ele quase não falava com ninguém porque não queria ouvir mais reclamação. Morria de vergonha de não poder dar uma vida melhor pra mulher e pros meninos.
Agora, estava ali, explodindo de orgulho por ter trazido tanta alegria para dentro de casa.
E aquela lágrima insistindo em correr pelo cantinho do olho? A romper, enfim, séculos de silencioso nó na garganta.
Às vezes é preciso luz pra se dar conta da escuridão. Antes tarde, que nunca!
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