Um Corpo Nu
De repente, todos os olhos se fixam em mim.
Mas não fiz nada além de existir como a natureza me moldou. Pés descalços, corpo nu, pele beijada pelo sol e pelo vento. Assim vivi desde sempre.
— Você deve adorar a Deus — dizem, ajoelhando-se diante de paus cruzados e palavras severas.
— Você deve servir ao rei — insistem, empunhando bandeiras que tremulam no vazio.
Ouço, mas não compreendo. Por que me curvar diante de quem nunca vi? Por que falar com o céu, se a terra me responde com frutos, os rios com peixes, a chuva com água fresca e a lua me guia em silêncio?
— Você não pode andar nu — repetem, olhos inquietos. Tentam cobrir meu corpo com trapos ásperos, como se quisessem me vestir de culpa. Nunca soube o que era pecado até dizerem que meu corpo ofende.
Respeitei a natureza como mãe, casa, companheira. Comi quando tive fome, bebi quando tive sede, dormi com os animais. Nenhum deles exigiu mais que presença e cuidado.
Agora, querem me pôr entre paredes que abafam o canto dos pássaros. Dobrar com normas que condenam o que não entendem, sufocar com roupas e crenças, obrigar-me a ajoelhar diante de reis e deuses que nunca vi.
Dizem que preciso ser salvo. Apontam para mim com dedos trêmulos. À minha frente, homens famintos, olhos tristes, carregando deuses como escudos. Atrás de mim, onças, cobras, jacarés, prontos para o ataque.
Corro em direção ao perigo. Melhor ser devorado por feras do que salvo em gaiolas.
Gritos atrás de mim:
— Volte! Vamos te proteger!
Mas não querem me salvar. Apenas me ver cair. Minha queda será a prova de que a liberdade não existe e viver fora do sistema é impossível. Nu, livre, selvagem, sou um erro que precisa ser corrigido.
Não sou ameaça. Sou espetáculo. O último livre, um corpo nu. Não basta me prender. Precisam de minha ruína. Querem gritar para si mesmos:
— Viu? Sem regras, não se sobrevive.
E então, poderão voltar para casa.
Cativos.
Sentindo-se plenos.
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