Por trás de montanhas, há mais montanhas
Dois séculos transitam naqueles bancos de madeira — estreitos, duros, desconfortáveis. Um portal no tempo.
A Maria Fumaça transportava os sonhos, as obrigações e recomendações de sinhozinhos e sinhazinhas, recém saídos da meninice, levados para a cidade grande. Estudar — deixar pra trás as vadiagens da infância e as amizades pueris. Serão os novos barões e baronesas.
Aquela mesma Maria Fumaça, em vagões ainda menos confortáveis, também transportava esperanças e desesperanças daqueles a quem só restava abandonar a família e os amigos, suas próprias histórias, suas vidas, seus trens. Rumo ao desconhecido. Meninos e meninas em fuga da servidão. Gente sofrida atrás de cura para males implacáveis.
O ventre daquela Maria carregava artistas, doutores, presidentes. Futuras frustrações e futuros campeões. Um Brasil escrito sobre trilhos.
Orgulhosa e imponente, a velha senhora anuncia sua resfolegante passagem, silvando — estrepitosa, rouca e garbosa — por vales, montanhas, cidades e vilarejos.
Crianças param as brincadeiras. Senhoras suspendem o tricotar. Aquele homem se debruça na enxada. Esse outro fica com a chave de rodas parada no ar. A moça espia na janela. Todos sonham.
Dois mundos se cruzam. Eles lá, num intervalo indefinido entre tempos. Nós, aqui no século XXI, imersos na nostalgia, observando a passagem do tempo na ligeireza da paisagem.
Aquela Maria Fumaça traz de volta o Menino do Ribeirão da Ilha. Aos cinco anos queria ser motorista de trem. Aos 10, pela cartilha da escola primária, encanta-se com Manuel Bandeira e seu Trem de Ferro.
Café com pãoCafé com pãoCafé com pão
Virge Maria que foi isso maquinista?
Agora simCafé com pãoAgora simVoa, fumaçaCorre, cerca
Ai seu foguistaBota fogoNa fornalhaQue eu precisoMuita forçaMuita forçaMuita força
Oô...Foge, bichoFoge, povoPassa pontePassa postePassa pastoPassa boiPassa boiadaPassa galhoDe ingazeira
DebruçadaNo riachoQue vontadeDe cantar!...
Nave mágica. Um lapso de tempo. Nostalgia. História. Realidade.
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