Vale mais um gosto do que dois vinténs
(Delman Ferreira)
O Pai do Warnel fazia o melhor Mocotó do mundo… e arredores.
Havia um acordo com os orixás: todo aniversário ele preparava paneladas de Mocotó e chamava o Morro. Não sei se por exigência dos santos ou outra razão secular, a única bebida permitida era vinho tinto doce. Para driblar o vinho doce, picávamos limão e colocávamos gelo.
— ...e seja o que Deus quiser!
Alquimia, samba, mocotó, uma ou outra azaração, muitas certezas e muita discussão. Debatiam-se os destinos da Humanidade – e futebol, claro.
Numa daquelas, quando o debate já alcançava elevados decibéis, alguém veio com a informação de que o mocotó era extraído do tutano das patas, ou melhor, do casco do boi. E cada boi fornecia uma quantidade muito reduzida.
Diante do inigualável Mocotó do Pai do Warnel, essa informação encheu nossas certezas de dúvidas. Afinal, se os bois sofressem alguma gripe, poderíamos ter escassez. A falta de mocotó estremeceria as estruturas da sociedade.
— Sem colágeno, todo mundo vai ficar encarquilhado. Uns maracujás de gaveta! — o pavor tomou conta da sala.
Era urgente tomar alguma providência para garantir abastecimento sustentável. Adotar estratégias para evitar a crise. Elevar a produtividade do gado bovino. Transformá-lo em bancos de mocotó.
Desencadeou-se intenso debate filosófico sobre os destinos da humanidade diante da iminente e terrível escassez. O espectro do caos passou a rondar nossas mentes. Irmão traindo irmão. Mãe renegando o próprio filho. Torcidas organizadas se digladiando nos estádios. Atropelo geral em busca da salvação. Surgiriam mais igrejas do que farmácias nas esquinas. Crise civilizatória. O fim da História.
Inebriados pelo Mocotó do Pai do Warnel, temperados pela alquimia, decidimos colocar a inteligência natural para funcionar.
— Vamos salvar a Humanidade!
De imediato, como medida anti-crise, implantaríamos novas técnicas de manejo para dar um gás em nossas usinas de mocotó. Produziríamos o Boi de Segunda Geração Intensivo em Mocotó - B2GIM.
Na primeira etapa, o foco seria elevar as condições de vida do gado. Currais e áreas de pasto com sistemas de som reproduzindo trilhas desestressantes. Yoga transcendental aos primeiros raios do sol. Práticas diárias de musculação. Sessões de energização com coachs quânticos. Cardápio fatness, potencializador da produção de mocotó, monitorado por inteligência artificial. Água de nascente com pH superior a sete e cochos com cristais de sal do Himalaia.
Na segunda etapa, empreenderíamos o Projeto Boitopeia, criando um OGM - organismo geneticamente modificado. O Boi de Terceira Geração com Produção Sustentável de Mocotó - B3GPMS.
O B3GPMS seria o resultado do cruzamento de um boi com uma centopeia: o Boitopeia. Um boi com 12 pares de pernas. A versão bovina da Bernunça – o monstro folclórico. Resistente a todas as mutações de gripe. Soltaria peidos não agressivos ao meio ambiente.
A principal inovação do Boitopeia seria a capacidade de permitir extração de mocotó sem necessidade de sacrifícios animais. Depois do suprimento de suas próprias necessidades, o corpo do gado liberaria o mocotó excedente em processo suave e natural, pelas patas. Os veganos, enfim, teriam sua redenção.
O B3GPMS nos guindaria ao Nobel, à fama e à riqueza.
Nesse momento, alguém, um abstêmio, lembrou aos cientistas das consequências da fama. Não teriam mais paz, não conseguiriam mais subir o morro. Sem morro, nunca mais mocotó do Pai do Warnel.
Olhamos um para o outro. A sala inteira explodiu num só grito:
— Ah, não! Isso não!
— Ficar sem mocotó com vinho doce? Jamais!
— Melhor um mocotó no Morro do Baco Baco do que Nobel em Estocolmo!
Gostei. Bem escrito. Ironia e humor na dose certa.
ResponderExcluirMuito bom, viajem, fantasia, criação… boitopéia é solução para uma futura crise de mocotó… rsrs
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