Cadê as flores que ficavam aqui?


(Delman Ferreira)

Com olhar panorâmico, a pequena abelha examina toda a sala. 

Sobre a mesa, um mapa antigo, amarelado pelo tempo. Minérios de territórios em disputa. Em torno, homens imponentes, trajando uniformes de gala impecáveis, observam cada marca com olhos cobiçosos, atentos e frios. Medalhas reluzem sob a luz branda do salão. Refletindo mais do que conquistas, revelam ambição, domínio, decisões tomadas longe do alcance do povo. Entre os galardões e expressões contidas, paira o silêncio denso de quem está prestes a decidir o futuro de terras onde jamais colocaram os pés, pretendem apenas extrair a riqueza. 

O mapa não é um simples tabuleiro. É cenário de guerra. Planos e estratégias, jogos de força, demonstrações de poder, visam conquistar o maior número de sítios. 

Tensos momentos em que olhares cruzam o ar sobre a mesa e se fuzilam mutuamente. O silêncio é rasgado pelo zumbido da abelhinha. O ambiente se torna ainda mais nervoso. A pequena intrusa pousa no quepe do general com o maior número de pingentes. Ao riscar sobre o mapa, como quem delineia muros, ele decreta:

— Estas fronteiras selarão a paz.

O berro que o general soltou ao ser ferroado no olho fez o tabuleiro estremecer.  

À sombra generosa das árvores que margeiam o rio, a vida pulsa em silêncio e movimento. Minhocas revolvem a terra úmida, abrindo túneis invisíveis que a tornam fértil. Insetos de mil formas zumbem e saltitam entre flores, folhas e ramos. Cobras deslizam sob pedras e troncos. Abelhas, incansáveis, indo e voltando de flores ao longo da margem, espalham pólen. Ali, entre a água corrente e raízes profundas, a sinergia é a própria definição da vida em sua forma mais pura, sustentada por interdependências invisíveis.  Não há excesso, não há desperdício. Tudo se conecta em ciclo vital silencioso, como uma respiração coletiva. 

Até que a harmonia desarranja. Um muro demarca a paisagem. Árvores são isoladas do rio.  Cobras, insetos, minhocas são esmagados. Abelhas não mais encontram flores. O vento é impedido de circular. A terra perde o viço. A vida perde o sentido.

Na sala do tabuleiro, homens empertigados perseguem uma abelhinha inoportuna que foge pela janela.


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