Bigode e artesão
(Delman Ferreira) Vaidoso, Manoel Cândido cultuava os bigodes como quem cuida de uma delicada e rara orquídea. Jamais um fio fora de ordem, alinhamento militar, harmonia musical, lado esquerdo e lado direito espelhos um do outro. Obra de arte. Nem o próprio Manoel ousava tocar. Uma única pessoa no mundo estava autorizada a retocar e modelar. O barbeiro Porfírio cuidava dos bigodes de Cândido como um artesão no domínio de seu ofício, um mestre perseguindo a perfeição. Naquela manhã de segunda-feira, como repetia todos os dias, Manoel investigou-se diante do espelho, mirou de um lado, de outro, distanciou, aproximou. Admirou o bigode. Mas uma ruga de incômodo marcou a meditação. Percebeu um fio, uma ameaça rebelde a levantar-se contra a ordem unida. Nem pestanejou, decidiu imediatamente. Antes de qualquer outra providência, passaria no Porfírio. Abriu as janelas, olhou o horizonte, sondou o céu para ver a disposição das nuvens. Precisaria casaco? Guarda-chuva? Desceu para a Praça da Repú...